segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Le Resignacionism

Todo grande homem deve amparar sua conduta e, por extensão, sua existência em alguma grande filosofia. Como eu sou um destes grandes homens busquei a minha. Insatisfeito com os delírios de Nietzsche, as brumas sartreanas, o senso de humor sofista, o rigor hegeliano e a falta de academicidade (ou demasiada heteroxia) do saber do morro, apelei para a minha jorrante criatividade e fundei minha própria e excepcional (no sentido de genial, não de freqüentador da APAE) escola de pensamento: O Resignacionismo (do francês, le resignacionism).

Em vantagem às fracas teorias já existentes, o resignacionismo ensina o indivíduo a lidar com as coincidências e surpresas do dia-a-dia: é a fundamentação teórica do blasé, do tédio, do desinteresse. Portanto, trata-se de uma filosofia mal-humorada, mas pródiga em charme.

Na prática, para aderir ao resignacionismo, poucos esforços são necessários, pois trata-se, simplificadamente, de aprender a se expressar de forma a destituir de excitação as grandes bizarrices do cotidiano.

É fácil. Quando aquele amigo lhe contar que viu um colega do jardim B de quem ele não tinha notícias havia vinte anos, no shopping, você ponderará, sem o menor interesse: "Afinal, ele tinha que estar em algum lugar"; quando aquela amiga lhe segredar horrorizada que viu o ex ficando com um canhão, a reação será idêntica: "Afinal, ele tinha de ficar com alguém"; ou se vierem com um "tu nem sabe o absurdo!, o fulano está com o cabelo verde, um horror!". Uma seca e moderada dose de resignacionismo será suficiente para amainar a empolgação do indignado interlocutor: "Afinal, ele tinha que ter o cabelo de alguma cor, não é mesmo?"

Em última análise, o resignacionismo é um método eficiente para se livrar daquelas conversas fofoqueiras e desinteressantes, que em nada contribuem para o aperfeiçoamento do espírito - pelo contrário.

sábado, 18 de agosto de 2007

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Estorvo

Ainda ontem, festejava o fato de, ao contrário do que costuma acontecer no Campus Central no início de cada semestre, não ter cruzado com nenhum desses pobres diabos que ficam pentelhando à exaustão para que tu abras uma maldita conta no Santander. Satisfeito, imaginava que a UFRGS tinha proibido tais práticas no Campus.

Pelo visto, comemorei cedo demais. Hoje, quando chegava para cumprir as horas da bolsa, me deparei com os primeiros sinais de que o costumeiro calvário inexoravelmente se repetirá: cartazes enormes e quiosques rubros, tudo com o devido logotipo do"Santander. Tenho a triste impressão de que, durante as próximas semanas, esta terá sido a última vez que alcancei o Anexo I sem ser aporrinhado por aquelas insistentes criaturas.

Como não sei mais como me desfazer dos tais aliciadores, se tal prática persistir pelos próximos semestres, ou terei de surrar algum ou acabarei abrindo (novamente) uma conta no Santander - o que eu não recomendaria nem ao meu pior inimigo.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Cambalache

Talvez seja desconhecido dos caríssimos o meu gosto - talvez excessivo - por tango. Quem acha o Tango uma cafonice é porque, certamente, só conhece aquelas gravações tacanhas e caça-níquel que se compra em posto de gasolina. O preconceito é equivocado: o Tango não só é atual como engendra um microcosmo complexo e universal, onde as temáticas mais caras ao homem são expostas de forma muito (bastante) lírica. Uma patente prova de minhas palavras é a letra do tango Cambalache, escrita em 1934 pelo genial Enrique Santos Discépolo:

Que el mundo fue y será una porquería
ya lo sé...
(¡En el quinientos seis
y en el dos mil también!).
Que siempre ha habido chorros,
maquiavelos y estafaos,
contentos y amargaos,
valores y dublé...
Pero que el siglo veinte
es un despliegue
de maldá insolente,
ya no hay quien lo niegue.
Vivimos revolcaos
en un merengue
y en un mismo lodo
todos manoseaos...

¡Hoy resulta que es lo mismo
ser derecho que traidor!...
¡Ignorante, sabio o chorro,
generoso o estafador!
¡Todo es igual!
¡Nada es mejor!
¡Lo mismo un burro
que un gran profesor!
No hay aplazaos
ni escalafón,
los inmorales
nos han igualao.
Si uno vive en la impostura
y otro roba en su ambición,
¡da lo mismo que sea cura,
colchonero, rey de bastos,
caradura o polizón!...

¡Qué falta de respeto, qué atropello
a la razón!
¡Cualquiera es un señor!
¡Cualquiera es un ladrón!
Mezclao con Stavisky va Don Bosco
y "La Mignón",
Don Chicho y Napoleón,
Carnera y San Martín...
Igual que en la vidriera irrespetuosa
de los cambalaches
se ha mezclao la vida,
y herida por un sable sin remaches
ves llorar la Biblia
contra un calefón...

¡Siglo veinte, cambalache
problemático y febril!...
El que no llora no mama
y el que no afana es un gil!
¡Dale nomás!
¡Dale que va!
¡Que allá en el horno
nos vamo a encontrar!
¡No pienses más,
sentate a un lao,
que a nadie importa
si naciste honrao!
Es lo mismo el que labura
noche y día como un buey,
que el que vive de los otros,
que el que mata, que el que cura
o está fuera de la ley...

(Sei que é meio maçante ler letras de música em blog - parece encheção de lingüiça; mas, neste caso - e me responsabilizo - vale muito a pena.)